IMPRENSA

POR QUE A ECONOMIA DEVE SE PREOCUPAR COM O QUE ACONTECE NA UCRÂNIA? (Folha de Londrina)

Por Frederico Glitz

Publicado em 14/03/2022

Frederico E. Z. Glitz[1]

 

Nos últimos dias, o mundo vem acompanhando, preocupado, os desdobramentos da nova aventura militar russa em território ucraniano. Este novo capítulo da “marcha da insensatez” (Tuchman, 1984) tem ocupado analistas que se desdobram na tentativa de entender os seus porquês estratégicos e históricos. Já das consequências, logo seremos testemunhas.

Para além dos dramas pessoais, das violações dos direitos humanos e do desastre ambiental eminente, o que mais deve preocupar o brasileiro e, em especial, o paranaense? No Brasil, lembre-se, encontra-se a maior comunidade ucraniana da América Latina. Já no Paraná, está sua maior concentração (cerca 500 mil pessoas) e, em Prudentópolis, encontramos a maior proporção da população local (75%). Nossos laços históricos e culturais são inquestionáveis.

Por outro lado, quão relevantes são os ventos econômicos vindos daquele trecho do leste europeu? Em especial, o quanto dependemos do comércio russo?

Enquanto as relações comerciais Brasil-Ucrânia são proporcionalmente muito pequenas (com superávit de apenas US$ 15 milhões para o Brasil), a balança comercial brasileiro-russa é mais relevante e marcada pelo déficit (US$ 4 bilhões em 2021). A Rússia foi, em 2021, o 36º destino de nossos produtos (especialmente soja e carne de aves, 22% e 11% respectivamente) e aparecia como o 6º país do qual mais importávamos (especialmente insumos para adubos ou fertilizantes e carvão, 62% e 8,4% respectivamente).

Este quadro geral, aliás, tem sido emulado pelo Paraná que, em 2021, exportou algo em torno de US$ 225 milhões, especialmente carne de aves (43%), café solúvel (20%), açúcar (16,4%) e soja (7,5%); enquanto importou cerca de US$ 447 milhões (quase a totalidade em insumos para adubos e fertilizantes). Note-se que a Rússia representou, em 2021, apenas 1,17% do total das exportações paranaenses, mas 2,35% das importações. Tudo isso apesar de ser a 12ª maior economia do mundo.

Estes dados talvez indicassem um cenário econômico menos preocupante. O que ocorre, contudo, é que há excessiva concentração de nossa pauta de importações (nacional e regional) nos essenciais insumos dos fertilizantes e, por outro lado, excessiva concentração no agronegócio como matriz exportadora. Lembre-se que a soja representa 24% do total de exportações brasileiras, seguida das carnes das aves (14% do total). Pior, hoje o Brasil concentra 43% de suas exportações neste setor, enquanto 34% do PIB paranaense está no agronegócio. Além disso, os dois importantes produtos de exportação – brasileira e paranaense – são também os produtos importados pela Rússia, que, a esta altura do conflito, não deve ser considerada como destino viável para exportações.

Devemos considerar, ainda, que o agronegócio brasileiro é dependente dos insumos estrangeiros dos fertilizantes. O Brasil chega a importar 80% de todos aqueles que utiliza em sua economia, representando não só o maior mercado importador, mas também ocupando a 4ª posição global de consumidores destes insumos. Por outro lado, a Rússia é a maior exportadora global destes insumos e a maior fornecedora do mercado brasileiro (25% do total).

Este conflito, portanto trará duplo impacto na balança comercial nacional e regional.

Se este cenário já não é suficientemente preocupante, ele trará o aumento dos custos de produção agrícola (e da inflação no Brasil). Podemos adicionar nesta receita insensata o aumento do preço do barril de petróleo (e nova pressão inflacionária no Brasil, via aumento dos custos de produção e frete), já que a Rússia é a 8ª reserva de petróleo do mundo e, historicamente, todo conflito bélico importou aumento exagerado de seu preço.

Devemos nos preocupar, também, com a volatilidade do mercado de capitais. Investidores estrangeiros, nestes momentos de crise, tendem a realizar lucros e fugir de países considerados instáveis economicamente (o que, infelizmente, é o caso do Brasil), resultando em nova pressão sobre os preços já que a esperada desvalorização do real encarece a produção industrial local, baseada na importação de insumos.

Além disso, os empresários brasileiros terão, eventualmente, dificuldade em receber por exportações já realizadas (em razão das restrições bancárias globais), enquanto importadores, invariavelmente, serão confrontados com pedidos de suspensão de execução de seus contratos e, até mesmo, com a pretensão de sua extinção (com alegação de força maior). Outros setores, como o turístico e de entretenimento, também serão afetados. Prejuízos e dificuldade na realização de créditos, portanto, devem ser esperados.

O caro leitor que nos acompanhou até aqui pode, então, constatar que o início desta década não tem sido menos que desafiador para a economia brasileira. Mal estamos saindo de uma emergência sanitária global e já encontramos novos desafios que nos são impostos. Ainda não chegou a hora do nosso “happy days are here again” (Roosevelt, 1932). Resta-nos a esperança.

[1] Advogado e Professor de Direito Internacional e Contratual

Publicado no Jornal Folha de Londrina de 14 de março de 2022.

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