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NOVAS REGRAS DO SAC PODEM PIORAR ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR (Gazeta do Povo)

Por Frederico E. Z. Glitz

Publicado em 20/04/2022

NOVAS REGRAS DO SAC PODEM PIORAR ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR

 

Frederico E. Z. Glitz[1]

 

Um dos atuais mantras das empresas que se pretendem socialmente responsáveis é a certificação de excelência no atendimento do consumidor. Para demonstrarem esta preocupação, muitas delas anunciam a adoção de instrumentos de governança socioambiental (ESG), ajustando sua comunicação para expressar termos como ‘inclusão’, ‘acolhimento’, ‘proteção’ e ‘atenção’. É muito difícil e, injusto, generalizar conclusões a partir de experiências pessoais, mas, confesso que não é fácil se sentir acolhido por diversos destes mesmos sistemas empresariais de atendimento ao cliente.

É neste contexto que se torna relevante um olhar crítico sobre a mais recente regulamentação do famoso Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), recentemente publicada (Decreto n° 11.034/2022[2]) e que entrará em vigor em, aproximadamente, seis meses.

Antes de mais nada, deve-se lembrar que o tema (SAC) não é novo, uma vez que era regulamentado no Brasil desde 2008. Tornava-se necessário, entretanto, alguma atualização, especialmente, por exemplo, pelos meios de comunicação dos telefone de 2008 para os “canais” de 2022 (art. 2º).

Embora o âmbito de aplicação do Decreto continue o mesmo (serviços regulados como planos de saúde, telefonia e bancos – art. 1º), ampliou-se o escopo do SAC para incluir não apenas o acesso à informação, mas também o tratamento de demandas (art. 1º, II). Além disso, o atendimento telefônico será obrigatório, ainda que sem a mesma disponibilidade de acesso ininterrupto dos demais canais (apenas oito horas diárias – art. 4º, § 2° e art. 5º, I).

Aqui, por exemplo, já se encontram limitações regulamentares à propalada ‘inclusão’: o acesso fora de horário comercial, provavelmente, estará disponível apenas por meio de recursos eletrônicos, dificultando o acesso daqueles com restrições tecnológicas (acesso ou manuseio). Isso para não se mencionar o enigmático parágrafo terceiro[3] do mesmo art. 4º que abre brecha para a interrupção do atendimento. Além disso, embora se assegure a acessibilidade (art. 6º), as condições em que esta se dará dependem de futura regulamentação pelo Ministério da Justiça; algo muito distante da forma preferencial prevista no Decreto anterior.

O novo decreto aliás, inova negativamente em relação aos requisitos mínimos de garantia de atendimento. Se o antigo Decreto previa que a transferência para o atendimento presencial e definitivo deveria ocorrer em até sessenta segundos, não se admitindo transferência em caso de reclamação ou cancelamento; isto tudo agora dependerá de futura e incerta regulamentação do órgão competente. Aparentemente haverá incentivo para adoção de tecnologias de atendimento, como os “robôs” ou chatbots.

Já quanto à lógica da ‘atenção’, o novo Decreto também exige o consentimento do consumidor para veiculação de mensagens publicitárias (art. 4º, §5º), mas, paradoxalmente, não define as condições mínimas de como este consentimento será dado e autoriza – independentemente de consentimento do consumidor – a veiculação de mensagens de caráter informativo (§6º). Quem já teve a oportunidade de aguardar atendimento telefônico em um SAC sabe que consentimentos são obtidos por meio opções cansativas em menus pouco explicativos e que mensagens informativas são fáceis disfarces para publicidade institucional.

Além disso, a antiga proibição de que a ‘ligação’ não fosse finalizada antes da conclusão do atendimento – sempre ignorada – passou a ser uma possibilidade (art. 11), especialmente ao se permitir ao fornecedor sua conclusão (art. 11, III)! Ou seja, o consumidor passaria a ter o eventual ônus da falha do próprio sistema de atendimento. Quem já tentou cancelar um serviço por meio do SAC, sabe que é comum longas esperas e sucessivas ‘quedas’ do sistema ou das ligações.

Também a presencialidade e humanização do atendimento não parecem ser prioridades, uma vez que não se repete a preferência pelo atendimento pessoal. Isto impacta, é claro, na acessibilidade, ‘inclusão’ e ‘acolhimento’ já que ferramentas como chatbots nem sempre ‘entendem’ a solicitação do consumidor, são muitas vezes limitadas e, em muitos casos, parecem ser destinadas a criar uma antepara à reclamação ou cancelamento do serviço. Fora que sua utilização indiscriminada desumaniza o atendimento, especialmente daqueles não afeitos à tecnologia (vulneráveis, por exemplo).

Há, claro, aspectos positivos na nova regulamentação: amplia-se o acesso do consumidor ao histórico de suas demandas, criando-se procedimento e prazo de envio do documento (art. 12). Além disso, prevê-se, expressamente, a suspensão imediata de cobranças questionadas (art. 13, §3°). Também se manteve o dever de manutenção da gravação das ligações por 90 dias e do registro do atendimento por dois anos, assim como o recebimento imediato dos pedidos de cancelamento.

Por outro lado, aumentou-se o prazo para retorno sobre a demanda do consumidor (de 5 dias úteis para solução para 7 dias corridos para resposta). Além disso, o Decreto anterior, ao contrário do novo, diferenciava a prestação de informações (que deveria ser imediata) e a solução da demanda (5 dias úteis). Estaria, então, o acesso à informação condicionado ao novo e maior prazo?

Quanto à ‘proteção’, pelo menos dos dados, o Decreto mantém a lógica anterior de proibir o condicionamento ao fornecimento de dados do consumidor e menciona a existência e incidência da LGPD. Mais uma vez a nova regulamentação parece, contudo, ter perdido uma oportunidade de ampliar a proteção do consumidor: qualquer um que já acessou um SAC teve que fornecer, no mínimo, o número de CPF para ser atendido (sim, trata-se de um dado).

A sensação final que se tem da leitura comparada de ambas as regulamentações é de que o novo texto avançou pouco, repetiu muito e perdeu algumas oportunidades essenciais, especialmente em razão dos recentes desdobramentos legislativos, como a Lei do Superendividamento, a LGPD (apenas mencionada), as discussões recentes sobre herança digital e sobre o marco legal da inteligência artificial. Aparentemente será papel da iniciativa privada, por meio de reais instrumentos de ESG, impor um padrão mais protetivo, acolhedor e inclusivo de atendimento ao consumidor.

Texto publicado no Jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em 20 de abril de 2022.

[1] Advogado contratualista. Pós-doutor em Direito e novas tecnologias.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/D11034.htm

[3] § 3º  Na hipótese de o serviço ofertado não estar disponível para fruição ou contratação nos termos do disposto no caput, o acesso ao SAC poderá ser interrompido, observada a regulamentação dos órgãos ou das entidades reguladoras competentes.

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