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MEDIDA PROVISÓRIA, URGÊNCIA E DIREITO EMPRESARIAL

Por Frederico E. Z. Glitz

Publicado em 05/08/2021

Acaba de ser aprovada (05/08/2021), pela Câmara dos Deputados, a conversão em Lei da chamada “Medida Provisória de Modernização do ambiente de negócios no país” (MP n° 1040/2021). No dia anterior (04/08/2021), um texto substitutivo (com uma série de modificações no texto original) havia sido proposto pelo Senado, mas acabou sendo rejeitado pela Câmara por tratar de “matéria estranha” aos dispositivos da MP (fato classificado como “indevido” e “inaceitável” pela Presidência do Senado). O debate sobre o que é a tal “matéria estranha” já foi endereçado pelo STF (ADI, 5127), mas sempre pode causar turbulência política…

O texto que segue para a sanção foi muito debatido nos últimos dias, por diferentes setores econômicos e, em geral, foi apontada uma série de equívocos técnico-políticos, frutos da ausência de debate legislativo mais amplo.

A ideia de um texto legislativo que modernizasse o ambiente de negócios brasileiro talvez fosse muito bem-vinda. O problema, como infelizmente tem sido cada vez mais comum, é que sua proposição foi unilateral e revelou pouca participação democrática. A começar pela eleição do instrumento para sua proposição: uma Medida Provisória (MP). No passado, aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal já havia externalizado a preocupação com a “utilização excessiva” das Medidas provisórias pelos sucessivos presidentes da República, com risco grave de “profundas distorções” nas relações entre os Poderes (STF, ADI 2213).

Entendo que matérias deste porte, com alterações substanciais em Direito material, reforma de um sem-número de diferentes leis, incluindo o Código Civil, e com uma série de temas distintos, complexos e com grandes repercussões no cotidiano do cidadão não devem ser tratadas por medida provisória. Como se sabe, a MP deveria ser utilizada apenas excepcionalmente (STF, ADC11 e ADI 4029), guardada para matéria e momento de urgência e relevância (art. 62 da Constituição).

Ainda que a situação econômica brasileira cause enorme preocupação e seja tema relevante a ser endereçado pela sociedade brasileira sem demora, isto não corresponde à urgência para a qual se destina a MP. O Decreto n° 9.191/2017, por exemplo, prevê que não serão objeto de Medidas Provisórias temas que possam ser tratados “sem dano para o interesse público nos prazos estabelecidos pelo procedimento legislativo de urgência previsto na Constituição” (art. 35, V), ou seja, 45 dias (art. 64, §2° da Constituição). Além disso, a própria urgência deve ser demonstrável objetivamente  (art. 27, III).

Um possível critério temporal, objetivo, para se analisar a questão seria, então: o tema precisa ser abordado em até 45 dias? Passado este prazo haveria prejuízo para o interesse público? Se serve de indicativo, a própria tramitação da proposta de conversão durou mais de 120 dias…

Mas quais seriam, então, temas a ser tratados de forma urgente. Acredito que seja mais simples dizer quais não são: permissão de utilização do CNPJ como nome empresarial (art. 3º da MP que inclui o art. 35-A da Lei n° 8.934/1994); a alteração do prazo de antecedência de convocação de Assembleia em Companhia aberta (art. 5º da MP que altera o inciso II do art. 124 da Lei das S/A) e as matérias que devem constar do Estatuto do Conselho de Administração (art. 5º da MP que altera o inciso IV do art. 140 da Lei das S/A); os requisitos para exercício da profissão de tradutor (art. 18 da MP e seguintes) e a forma de contagem do prazo de prescrição intercorrente (art. 32 da MP).

A sensação que fica é que a classificação de urgência tem decorrido da sensação de pressa dos agentes políticos. O risco, contudo, é que tais temas, aliados àqueles de facilitação da abertura de empresas (art. 2º da MP e seguintes) de comércio exterior (art. 7º da MP e seguintes), recuperação de ativos (art. 13 da MP e seguintes) e obtenção de eletricidade (art. 31 da MP e seguintes) não só guardam pouca relação entre si, como também compõe temas cuja complexidade foge da análise sumária efetuada quando da conversão em lei. Tratam-se de casos típicos em que o terceiro setor, o agentes econômicos e os profissionais envolvidos deveriam ter sido ouvidos. de especialistas ajudariam a entender as consequências das alterações propostas e, claro, das revogações legislativas efetuadas.

Desta falta de debate e abertura é que restaram as situações mais criticadas pelos profissionais especializados: a inclusão no projeto de lei de conversão de temas que não constavam do texto original da MP e que acabaram sendo abrangidos por esta “pressa”. Destacam-se, neste tópico, as extensas alterações na Lei das S/A – tais como: o tratamento do voto plural nas S/A (futura redação do art. 110-A da Lei das S/A), a alteração da forma de apuração do quórum para instalação de assembleia e aprovação (futuros arts. 125, 135 e 136 da Lei das S/A) e menção ao voto múltiplo (futuro art. 141 da Lei das S/A) para citar alguns  – e, claro, as profundas alterações no Código Civil – tais como a criação de um conceito geral de sociedade unipessoal (futuro art, 981 do CCB) e as modificações do tratamento do Direito societário brasileiro com a aparente extinção da sociedade simples e EIRELI.

Como se sabe, o Direito é fruto de esforço sistêmico e a alteração de apenas um dispositivo de uma lei especifica pode trazer consequências muito grandes para outros temas. Assim, por exemplo, a eventual extinção da sociedade simples causa uma potencial e grave nova turbulência econômica: qual será o tratamento dos profissionais liberais que não podem, por lei, atuar por meio de sociedades empresárias? E as sociedades já constituídas, seriam agora empresárias?

Qual o problema disso? Bem…, ainda a título de exemplo, recentemente o Conselho Federal da OAB aprovou um provimento que dispõe sobre a publicidade para a advocacia (Provimento n° 205/2021), com todo um tratamento bastante restritivo para o marketing jurídico uma vez que a atividade não pode ser “mercantilizada” já vez que advogados não são “empresários”. Como ficaremos agora?

A cada novidade legislativa (sobre o Marco Legal das Startups fiz o mesmo comentário), a sensação que fica é que sem um trabalho de (re)compilação e (re)organização legislativa, especialmente em matéria tributária e empresarial, será muito difícil de encontrar ambiente negocial verdadeiramente amigável, seguro e moderno no Brasil.

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