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BEBÊ ALICE: OS CUIDADOS DA PUBLICIDADE COM CRIANÇAS NA ERA DIGITAL MÍDIA (Nexo)

Por Frederico E. Z. Glitz

Publicado em 04/01/2022

Bebê Alice: os cuidados da publicidade com crianças na era digital

Isadora Rupp 04 de jan de 2022 (atualizado 04/01/2022 às 20h53)

Debate sobre o uso da imagem de menina em memes após propaganda surgiu com reclamação da mãe por superexposição na internet.

Liquidificador, peripécias e otorrinolaringologista são algumas das palavras faladas com perfeição pela bebê Alice – a dicção, impressionante para uma criança com pouco mais de dois anos, a tornou um fenômeno nas redes sociais, e os vídeos da menina repetindo as palavras ditas pela mãe, Morgana Secco, viralizaram. No final de 2021, a bebê estrelou, ao lado da atriz Fernanda Montenegro, a campanha publicitária de fim de ano do
Itaú Unibanco.

O anúncio, que estreou no dia 13 de dezembro de 2021, é assinado pela agência África e faz brincadeiras com as palavras entre a bebê e a atriz. O vídeo é um recorde entre as propagandas do banco: são mais de 53 milhões de visualizações no canal oficial do Itaú no YouTube. A publicidade logo se converteu em uma enxurrada de memes que explora o diálogo entre Alice e Fernanda Montenegro, alguns com conotações políticas e religiosas, o que desagradou a família da bebê.

Neste texto, o Nexo trata das regras de propagandas feitas com e para crianças no Brasil e os cuidados que devem ser tomados na superexposição infantil.

Quem é Alice?

Alice, hoje com dois anos e meio, mora em Londres com os pais, Morgana Secco e Luiz Schiller. O casal se mudou para a capital da Inglaterra em 2017 em busca de novas oportunidades e teve a filha no país. Longe da família no Brasil, Secco contou em entrevista à BBC Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=GOgRZz1TzPY) em julho de 2021 que começou a fazer vídeos da filha de forma despretensiosa para
compartilhar com amigos e família. O primeiro viralizou em fevereiro de 2021, e os de maior sucesso são os da bebê repetindo com perfeição “palavras difíceis” ditas pela mãe. Segundo ela, o casal sempre priorizou se comunicar com Alice de forma clara e explicar tudo o que acontecia para ela, algo que a mãe acredita que contribui para que a menina começasse a falar precocemente e de forma nítida.
O perfil de Secco tem hoje 3,4 milhões de seguidores e, além do Itaú, a pequena já estrelou junto da mãe publicidades pagas no Instagram para marcas como a gigante de moda brasileira Renner.
Mesmo com o perfil de alcance gigantesco, Secco diz que tem “muito cuidado” com o que compartilha nas redes, e que os vídeos de Alice representam uma parcela mínima da rotina dela. “Não passo o dia filmando ela”, falou à BBC.
Além disso, Secco diz não permitir que a filha passe muito tempo diante de telas (como televisão, tablet e celular). Segundo a mãe, a bebê assiste a telas apenas por momentos breves para ver vídeos dela mesma ou para conversar com familiares do Brasil. A atitude da família está de acordo com uma das recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre desenvolvimento infantil, que fala que crianças de até dois anos não devem ser expostas nem de forma passiva a celulares, tablets e televisão, pois os eletrônicos prejudicam o desenvolvimento.
Em alguns de seus posts, Secco também ressalta que a família preza por uma vida mais simples e minimalista, e que Alice não tem excesso de roupas ou brinquedos.
O fato de a imagem de Alice ter virado meme após a propaganda do Itaú incomodou a família. No Instagram, a fotógrafa fez stories dizendo que, nos últimos dias, recebeu vários memes de terceiros. “Muitos são inocentes e engraçados, mas alguns deles não são. A gente quer deixar claro que não deu autorização para nenhum deles, e que a gente não concorda em associar as imagens da Alice para fins políticos e religiosos.” Secco também pediu “bom senso” na hora de repostar os memes, e que os seguidores a ajudem a pedir que usuários excluam publicações.

Propaganda com e para crianças: regras no Brasil

A postura da mãe de pedir a exclusão dos memes alegando que a imagem da bebê não foi autorizada para este fim foi alvo de críticas de pessoas que questionaram a superexposição da bebê no perfil do Instagram e na propaganda em si.
Para Anderson Schreiber, professor de direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o tema é polêmico porque “a autorização dada para o uso da imagem em uma peça publicitária não significa uma carta branca para uso dessa mesma imagem em outros contextos ou com outras mensagens”. “Qualquer pessoa pode se insurgir contra um uso não autorizado da sua imagem”, disse ao Nexo.
Schreiber pondera, por outro lado, que os memes representam o exercício do direito de sátira, que é protegido como manifestação da liberdade de expressão. “Aqui se trata de memes realizados com imagens que já se tornaram públicas, com autorização dos pais. No confronto entre esses dois interesses, os tribunais brasileiros têm, em geral, reprimido o uso de imagens de pessoas em memes quando assumem caráter depreciativo ou quando os memes são usadospara fins lucrativos. Em se tratando de uma criança, todavia, a proteção aos direitos fundamentais tende a ser considerada mais elevada”, afirmou.

Logo, há o entendimento de que a família pode tomar medidas para que as pessoas retirem o conteúdo com os memes do ar. “Neste caso, há o problema da associação da imagem da criança com aspectos ideológicos e linhas filosóficas que, talvez, não convenham aos pais. O grande problema na internet é identificar o autor. E o fato de a criança ser domiciliada fora do Brasil pode fazer com que sequer o Judiciário brasileiro possa julgar
isso”, afirmou ao Nexo o advogado Frederico Glitz, mestre e doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Aos pais que são influenciadores digitais e que divulgam a imagem dos filhos na internet, Glitz recomenda uma postura “preventiva”: deve-se deixar claro que a imagem não está autorizada para determinados fins, mesmo pública no Instagram.
Crianças em propagandas não são uma novidade no Brasil. Algumas publicidades viraram clássicos e foram inclusive premiadas, como a da Parmalat de 1996, protagonizada por bebês vestidos de mamíferos.

Feita para divulgar uma promoção de troca de brindes, a campanha virou febre no país e a marca distribuiu milhões de ursos de pelúcia. Outro comercial memorável dos anos 1990 é a menina que “hipnotiza” as pessoas para comprar o chocolate Batom (https://www.youtube.com/watch?v=fzKKpUwJ2Fw) , da marca Garoto.
“Sempre existiu o uso de crianças em muitos anúncios porque a publicidade logo descobriu que isso vende. De qualquer jeito, você está expondo uma criança para algo que não é da infância: o comércio de sua imagem. O que ela pensará quando adulta?”, afirmou ao Nexo a pediatra Luci Yara Pfeiffer, membro do Grupo de Trabalho de Saúde Digital da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
“Toda a imagem que vem do mundo virtual é confusa para a criança, que ainda não tem uma ideia estabelecida dela mesma. Por isso, ela se ver em uma tela é algo confuso”, disse Pfeiffer.
No Brasil, a publicidade infantil (ou seja, voltada especificamente às crianças) é ilegal. Muitas leis versam sobre o tema desde a década de 1990, como o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm) ), que fala que direcionar publicidade para crianças é uma prática abusiva e ilegal. Em 2014, a resolução n° 163 (https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=4&data=04/04/2014) do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) detalhou o conceito de abusividade, entre
elas a proibição da comunicação mercadológica em creches e escolas, por exemplo.
Já a contratação de crianças por empresas para propagandas é permitida, desde que seguindo regras do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), da Conanda e do Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária), que exigem autorização e acompanhamento dos pais, responsáveis por aceitar as regras do contrato com a empresa. Desde 2006, o Conar recomenda que crianças não figurem em campanhas e serviços incompatíveis com sua condição (http://www.conar.org.br/5-criancas-em-publicidadepara-adultos.pdf) . A norma cita explicitamente armas de fogo, bebidas alcoólicas e loterias, além de qualquer vocalização de apelo de direito de consumo.

Compartilhamento: de quem é a responsabilidade

Na análise de Pedro Hartung, diretor de políticas e direitos das crianças do Instituto Alana, referência em direito e desenvolvimento da criança, o debate sobre o compartilhamento dos memes da bebê Alice, mesmo com a propaganda, é complexo.
Hartung pontua que o uso da imagem da criança fora das proporções da publicidade não é algo só de responsabilidade da família, mas de toda a sociedade.
“Temos todos responsabilidade no manuseio dessa imagem, ainda que ela esteja em uma campanha global. Quando falamos de criança, falamos de um indivíduo muito vulnerável. E a repercussão não é só hoje. Uma criança super exposta acaba deixando um rastro digital que vai impactar no desenvolvimento dela”, disse Hartung ao Nexo.
As plataformas, segundo Hartung, também deveriam criar políticas mais rígidas para verificação quando se trata de imagem de crianças. “Se muitos conteúdos conseguem ser verificados por direito de criação, o mesmo poderia ser aplicado à imagem de crianças. Se a plataforma se beneficia dessa circulação, o problema também é dela, e ela deveria ser cobrada”, afirmou.

Segundo a pediatra Luci Yara Pfeiffer, a SBP alerta aos pais que tenham o máximo de cuidado ao compartilhar a imagem dos filhos na internet, mesmo que essa seja uma dinâmica onipresente no mundo contemporâneo. “A fama da criança, às vezes, dura pouco, e pode gerar confusões no desenvolvimento psíquico. E como sempre se diz: internet é algo fantástico, mas uma terra sem lei. Não existem muros, e a imagem da criança pode cair nas mãos de pessoas de diversas índoles”, disse Pfeiffer ao Nexo.

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