Se colocarmos, por um instante, de lado a tragédia que se abateu sobre os passageiros do Costa Concordia na última semana, podemos retirar importante exemplo de como a legislação brasileira protege seu consumidor.
Dentre os tantos passageiros havia, segundo a imprensa, perto de 60 brasileiros. Os últimos deles teriam retornado ao país no decorrer desta semana, portando muito pouco além das roupas que usavam, do documento especial fornecido pela autoridade consular brasileira e das péssimas lembranças de férias.
Fica evidente, desde logo, o prejuízo material que tais pessoas sofreram. Perderam suas posses e bagagem, além do próprio serviço que não mais será fornecido. Imagina-se, ainda, que tiveram antecipada sua volta, independentemente de eventuais reservas de hotéis ou outros passeios já contratados.
Ao lado desses prejuízos mais imediatos, há, por certo, o abalo moral sofrido em razão do acidente. As informações que nos chegam não param de surpreender: o capitão teria abandonado o navio! A manobra teria sido realizada em desrespeito a regulamentação marítima. Teria havido excessiva confusão no procedimento de abandono do navio. Por fim, o verdadeiro risco de morte a que foram submetidos os passageiros, evidenciado pelas fatalidades já confirmadas.
Superado o trauma imediato, já se noticia a constituição de associação para representar os interesses indenizatórios dos passageiros prejudicados. A referida associação já teria, inclusive, promovido medida judicial, em terras italianas, com esta finalidade.
A questão que surge, então, é como o consumidor brasileiro, que não tenha aderido a tal iniciativa nem pretenda promover semelhante procedimento na Itália, poderia se ressarcir. Se frustrada uma eventual tentativa de acordo, caberia a tal passageiro a via judicial brasileira.
Neste tipo de contrato de prestação de serviço e transporte é comum a inserção de cláusulas que indiquem como competente, para o julgamento de uma causa indenizatória, o local em que se situa a sede da Companhia, ou seja, a Itália. A legislação italiana, ainda, indicaria sua própria competência para o julgamento, uma vez que o acidente aconteceu em suas águas territoriais.
A peculiaridade deste caso, no entanto, é que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro prevê que uma medida como esta possa ser promovida no local em que é domiciliado o consumidor. Ainda mais quando a indicação da jurisdição italiana se dá em contrato por adesão.
Nesse caso, portanto, se poderia ter dois juízes competentes para o julgamento da mesma ação: o italiano (por força de sua legislação) e o brasileiro (por força do Código de Defesa do Consumidor).
Por outro lado, ainda que fosse um juiz brasileiro que julgasse esta causa, ele precisaria se basear na legislação italiana! Desde que esta não conflitasse com os fundamentos da legislação consumerista brasileira. Trata-se de regra internacional do chamado conflito de leis.
Estas características não se resumem ao caso do Costa Concordia. São, na verdade, inerentes ao chamado processo civil internacional e são cada vez mais comuns de serem visualizadas na prática.
Todo consumidor que acabe sendo prejudicado por fornecedor de serviço ou de produto estrangeiro pode se utilizar da estrutura judiciária brasileira para o ressarcimento dos danos que tenha sofrido. Há dificuldades, no entanto. Elas vão desde a produção de eventuais provas até cumprimento da decisão. Elas não são instransponíveis, mas ainda precisam ser aperfeiçoadas.
São, infelizmente, os casos como do Costa Concordia que nos ajudam a melhor adaptar as ferramentas jurídicas que já temos.