Comecemos com uma pergunta e combinemos, desde já, que o leitor será muito honesto consigo mesmo: você já parou para ler a Convenção e o Regimento do condomínio em que reside ou atua profissionalmente? A resposta mais comum é que poucos o fazem ou fizeram. Mas, por que isso é relevante? Ora.. porque estes são os documentos que regulam a convivência de pessoas tão diferentes e distantes quanto vizinhos possam ser.
Uma resposta complementar também é comum: eles são documentos bastante antigos, de quando o prédio foi construído…É aí que cabe a segunda indagação: por que, eventualmente, é o caso de revê-los ou revisitá-los? Até porque, normalmente poucos são os iluminados que o conhecem ou acreditam o conhecer. Tragédia que, ordinariamente, não sobrevive a uma Assembleia mais aguerrida.
(i) é possível que o condômino tenha sob seus cuidados animais de estimação? Embora não seja controvérsia extremamente nova, ela acabou ganhando volume nos últimos anos, com a ampla adoção de pets e, agora, com as ruidosas crises de ansiedade (de separação) daqueles que conviveram por muito tempo durante a crise sanitária. Enquanto, infelizmente, é comum encontrarmos cláusulas de proibição em várias Convenções que analisamos; também é habitual que a redação delas qualifiquem e quantifiquem os animais. Assim, por exemplo, “porte pequeno” e “cães e gatos” são fórmulas habituais. O problema surge quando nos deparamos com conflitos de interpretação: o vizinho insistindo na aplicação de multa para aqueles que tenham pets sob sua tutoria (confiando na eficácia/validade daquela proibição) ou, ainda, pretendo negar que coelhos, iguanas e papagaios gozem da mesma permissão dada a cães e gatos. O que falar, então, dos cães de serviço (normalmente raças de maior porte) ou de animais tidos por exóticos (cabras e pôneis!). (ii) o Condomínio pode condicionar a forma como alugo meu imóvel? Se a situação das locações em imóveis residenciais e comerciais nunca foi um ponto de maior atrito, resolvido – normalmente – pela aplicação de multa aos inquilinos antissociais; a proliferação do uso de plataformas de compartilhamento passou a trazer o tema para a análise: reclamações com a insegurança e aumentos dos custos em condomínios residenciais, com unidades locadas pelo AirBnB, e nos condomínios comerciais, pela criação de espaços de coworking.
(iv) para simplificar, vamos adotar novas tecnologias em nosso condomínio? A adoção de portaria remotas ou automatização de acesso têm sido empregadas, principalmente, como ferramentas de redução de custos com profissionais. A questão, contudo, é que nem sempre os Condomínios têm a preocupação com o que está atrás destes procedimentos: o tratamento de dados pessoais, alguns potencialmente sensíveis (e a responsabilidade de quem o faz). Além disso, recentíssima alteração da legislação deixou clara a permissão para adoção de sistemas de deliberação remota. O que pode vir a ser muito conveniente para alcançar maior participação dos condôminos, inclusive para aqueles que – eventualmente – residam em outras localidades.
Estes quatro casos são exemplos de como algo que teve seus efeitos projetados para o futuro (Convenção), nem sempre consegue antever toda a dinâmica daquele ‘contrato social’. São dúvidas, possibilidades e conflitos que o debate periódico e eventual revisão da Convenção poderiam antecipar, adotar e resolver. É por isso que não se deve deixar a Convenção envelhecer, nem se tornar exclusivo objeto de interpretação de supostas pitonisas. Ela é, antes de tudo, o resultado da atuação responsável e democrática daqueles que se propõe viver em sociedade.