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CONTRATO E GUERRA: LIÇÕES PARA O AFEGANISTÃO (Regra dos Terços)

Por Frederico E. Z. Glitz

Publicado em 16/08/2021

Com uma surpresa um tanto fingida, o Ocidente vem sendo bombardeado de fortes imagens vindas do Afeganistão. O “cemitério de Impérios” fez uma nova vítima e o pesadelo de Saigon parece ter ganho uma versão 2.0 enquanto a multidão apinhada no aeroporto da capital, Cabul, busca uma forma dela escapar. Uma coisa que temos aprendido neste intenso século XXI é que a História não acabou (contrariando Fukuyama) e que certos horrores não ficaram para trás, no “longo século XX” (Hobsbawm).

O estudo da História e das Relações Internacionais, aliás, são fortes aliados para aqueles que se dedicam a compreender as relações comerciais internacionais e, mais especificamente, como no meu caso, os contratos internacionais. Identificar os possíveis motivos de turbulência na execução contratual passada, ajuda a projetar ferramentas para melhor gerenciar os riscos da contratação futura. As consequências econômicas da guerra são exemplos disso.

Para não avançarmos além do século XX, pode-se lembrar que foi a impossibilidade de execução de um contrato de fornecimento de carvão que desencadeou a discussão na jurisprudência administrativa francesa, e a consequente promulgação da Lei Faillot, acolhendo a excepcional extinção do contrato em caso de agravamento imprevisível das condições de sua execução. Naquela ocasião, entendeu-se que não seria possível antever as consequências catastróficas para a economia francesa de um novo tipo de conflito militar (não mais circunscrito a movimento de tropas e que envolveu todo o esforço econômico nacional). Este cenário exigiu que a “Paz em Paris” (MacMillan) se ocupasse, intensamente, em justificar a culpa pelo conflito e os cálculos indenizatórios corrrespondentes.

A previsibilidade do futuro conflito, semeado segundo Keynes no próprio tratado de Paz, jogou para dentro de qualquer equação contratual internacional um nada novo fator de risco: a (im)possibilidade de cumprimento de um contrato em razão das consequências econômico-sociais de uma guerra.

Tanto isso é verdade que, no Brasil, em famoso julgado de 2007, o Superior Tribunal de Justiça acabou entendendo que a alta do dólar norte-americano decorrente “da iminência de guerra no Oriente Médio” não seria extraordinária e que, em razão de sua previsibilidade, deveria ser levada em consideração no momento da contratação de um contrato futuro (REsp 803481).

Quando se olha para trás, com o benefício do conhecimento, esses exemplos parecem evidentes. Mas, se analisarmos as Relações Internacionais, também poderemos dizer isso de outros riscos. Assim, se algumas zonas padecem, endemicamente, de corrupção, burocracia paralisante e desequilíbrio orçamentário, outras podem sofrer de conflitos sociais mais graves. Portanto, cada risco à relação contratual que se propõe deve ser, também, contextualizado.

É em razão disso que surge a necessidade de avaliação dos riscos não apenas do negócio, mas ao negócio. Destaca-se, neste sentido, uma tradicional ferramenta de contratação internacional que já é altamente padronizada (CCI, por exemplo) e que pode vir a ser considerada “básica” em alguns negócios internacionais.

Quando o risco envolvido se refere à impossibilidade de execução do contrato, é comum a redação de cláusulas de força maior (force majeure). Trata-se da definição de hipótese excepcional de extinção contrato. A técnica de sua redação envolve, basicamente, a previsão de uma hipótese (“evento gatilho”) e a consequência parametrizada de sua ocorrência para o contrato. Como medida excepcional, usualmente e a depender da criatividade das partes, exige o preenchimento de uma série de requisitos, tais como a imprevisibilidade do evento gatilho, sua extraordinariedade, prolongamento de sua duração, etc. Como fato comum pode-se dizer que, por uma questão de gerenciamento de riscos, o evento gatilho não deve ser genérico, comum, previsível e de fácil constatação, eis que isso tornaria o contrato facilmente extinguível de acordo com a conveniência – nem sempre razoável – de um dos contratantes. Além disso, a ruptura contratual é medida excepcional (o “normal” é seu cumprimento), razão pela qual também é comum que se exija a demonstração da impossibilidade (e não mero encarecimento da execução do contrato.

Quando futuros tribunais ou árbitros forem analisar pedidos de exoneração do cumprimento de um contrato internacional em razão do avanço das tropas do Taleban , buscarão não apenas a existência de uma cláusula de força maior, mas como este risco (previsível em alguma medida) foi endereçado pelos contratantes.

Se o contrato se propõe a ser a racionalização de um futuro possível, as lições do passado podem servir de guia bastante confiável.

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