TELETRABALHO INTERNACIONAL: O QUE PENSAR DA MP 1108/2022?
Frederico E. Z. Glitz[1]
Em 25 de março de 2022 foi publicada a Medida Provisória nº 1.108/2022 que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com a justificativa da adoção mais generalizada do trabalho remoto.
Como vem se tornando muito comum, trata-se de mais uma tentativa de o Executivo ‘legislar’ sobre temas sobre os quais não há qualquer urgência a justificar a edição de MP (ainda que o tema seja, de fato, relevante). Além disso, indica o atual déficit democrático que permeia o debate de temas de Direito Contratual: isso porque não só o teletrabalho não é nenhuma novidade, como as condições de sua regulamentação devem ser fruto do debate público e de regular processo legislativo.
Não bastasse o ‘atropelo’ normativo, o Executivo tratou, ainda, de conceituar o teletrabalho (novo art. 75-B[2], da CLT) e prever “regras” para quando ele fosse realizado internacionalmente (§8° do mesmo art. 75-B[3]). Eis aí o problema: a tal regulação do contrato internacional de teletrabalho em comparação com a regulamentação anterior pode trazer mais dúvidas que certezas. Explicamos.
Até a entrada em vigor desta MP, a matéria (contratos internacionais de trabalho) era regulada pela Lei n° 7.064/1982 com a redação dada pela Lei n° 11.962 de 2009[4], que previa o âmbito de aplicação mais amplo: “trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores”.
- A primeira dúvida que pode surgir, então, é que a MP não se aplica aos casos de “transferência” do empregado, ou seja, quando ele fosse removido, cedido ou tivesse sido contratado para trabalhar no exterior (art. 2º, I a III, da Lei n° 7.064/1982). Em princípio, então, a previsão da MP se refere apenas a casos em que o empregado decide fazê-lo (“opção”). Seria, então, o dispositivo pensado para aquele trabalhador que, em razão do formato de seu trabalho, decidisse migrar? Seria a MP voltada ao nômade digital brasileiro?
Ora, se o novo texto normativo foi idealizado para estas situações, ele é desnecessário e redundante: a aplicação do Direito brasileiro a estes contratos já decorreria do art. 9º, da Lei de Introdução[5] (LINDB) e do art. 3º, da Lei n° 7.064/1982.
Além disso, a eventual decisão de o empregado exercer seu trabalho de outro país – quando isso não fosse impedido pelo contrato e/ou não decorresse de decisão do empregador – não viria a alterar o Direito aplicável ao contrato de trabalho. Aceitar o contrário, seria dotar um dos contratantes do absurdo poder de, unilateralmente, alterar todo o regime contratual.
- A segunda dúvida que surge é, justamente, outro aspecto prático: há cada vez maior número de trabalhadores que exercem o teletrabalho internacional a partir do Brasil. Como destacamos anteriormente[6], diversas empresas têm se valido da qualidade de nossos profissionais – especialmente da área tecnológica – para prestação remota de serviços – a partir do Brasil – a um custo infinitamente inferior, sem a necessidade de vistos e migração. Estes trabalhadores também não estão abrangidos pelo texto da MP, já que exercem o trabalho no Brasil.
- Um terceiro ponto de destaque – que se liga ao anterior – é a forma como estes trabalhadores são contratados: pessoas jurídicas prestadoras de serviços regidos por contratados internacionais, muitas vezes com cláusulas de eleição de foro e legislação estrangeiros. Este cenário também não foi previsto pela MP (e talvez nem pudesse, já que a rigor não se trata de “emprego”).
Talvez o Judiciário venha a entender que isto é uma forma de fraudar a exigência de autorização do Ministério do Trabalho (art. 12, da Lei n° 7.064/1982 e art. 149, do Decreto n° 10.854/2021[7]). Prefiro acreditar, no entanto, que estes dispositivos são reminiscências de uma era anterior, muito menos livre e que hoje não fazem mais muito sentido[8].
- Além destas dúvidas, há também um problema. A parte final do referido §8° do novo art. 75-B, da CLT traz uma ‘novidade”: a aparente possibilidade de escolha do Direito aplicável ao contrato. Agrava-se pelo fato de que, como destacamos anteriormente, o âmbito de aplicação da MP não é claro.
O primeiro ponto é a forma como a MP foi redigida. Isso porque a expressão “aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes” poderia indicar a possibilidade, simples, de os contratantes afastarem a legislação brasileira protetiva. Como se sabe, trata-se de matéria de ordem públicae, portanto, tal interpretação estaria prejudicada.
O segundo ponto é que, como se sabe, o Direito brasileiro atual não admite a escolha do Direito aplicável a contratos internacionais aqui celebrados. Esta interpretação – amplamente majoritária – decorre da redação do art. 9º da LINDB.
Ainda que exista uma tendência internacional em favorecer a escolha do Direito aplicável aos contratos internacionais, ela se refere a contratos entre não vulneráveis. Daí porque os marcos normativos mais contemporâneos se referem a contratos empresariais[9] e as atuais propostas de reforma legislativa brasileira a permitam apenas para “profissionais, empresários e comerciantes”[10].
Poderíamos, então, talvez, admitir a escolha do Direito aplicável para aqueles trabalhadores não vulneráveis (assim como a eventual abertura permitida pela legislação arbitral), mas esbararíamos nas interpretações anteriores.
Ainda que se tente justificar a redação adotada pela MP1108/2022, parece que, além de inexistir urgência em sua adoção (pelo menos no aspecto internacional), seus efeitos práticos internacionais não seriam evidentes.