A decisão levanta uma série de polêmicas sobre os direitos dos animais. A advogada especializada em Direito de Famílias, Glenda Gondim, lembra que a discussão sobre a proteção jurídica dos animais não é recente e remonta ao século XX. Em 1978, surgiu a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que reconheceu a proteção aos animais, bem como o reconhecimento do direito à vida, à dignidade, respeito, amparo contra maus-tratos e qualquer tipo de crueldade.
“Como eu faço para proteger esse direito do animal? A ação judicial seria, entre aspas, como fazer valer esse direito. E para ter ação judicial eu teria que ter um autor, que normalmente seria o tutor. Porque se acontece alguma coisa que esse animal faz, eu vou propor uma ação em face do tutor. Nesse caso específico do TJPR, como os próprios réus são os tutores, a situação fica um pouco mais complexa, porque a pessoa que deveria prezar pelos direitos desses animais não-humanos foi a pessoa que ocasionou o problema”, explica Gondim.
No caso julgado pelo TJPR, a ONG Sou Amigo, que representa os cachorros Rampo e Spike, traz uma série de argumentos para defender que eles podem ser partes no processo:
- os animais são sujeitos de direitos fundamentais e portadores da capacidade de ser parte em relações processuais;
- personalidade jurídica e a capacidade processual não são requisitos para a caracterização da capacidade de ser parte (personalidade judiciária), visto que basta, para tanto, a titularidade de, ao menos, um direito subjetivo positivado;
- a Constituição Federal reconhece os animais como seres sencientes, garantindo-lhes o direito ao acesso à justiça, bem como que a legislação mais recente confere maior ênfase à dignidade dos animais;
- a jurisprudência das Cortes Superiores tem assentado o dever de proteção dos animais, ainda que isso implique a limitação de direitos fundamentais “humanos”;
- o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito altera a interpretação das demais normas do ordenamento jurídico que os tratam como “coisa”, bem como que o regime jurídico relativo às “pessoas” não mais se restringe aos seres humanos.
O TJPR acolheu os argumentos da ONG Sou Amigo e incluiu novamente os cachorros Rambo e Spike entre os autores do processo contra seus donos. Mas a decisão, segundo Gondim, levanta mais perguntas do que respostas sobre a situação jurídica dos animais.
“Quando a gente fala dessa decisão, é uma decisão pioneira, porque a gente tem algumas decisões contrárias à ela, inclusive de desembargadores renomados que estudam o direito dos animais”, afirma a advogada.
O primeiro questionamento que surge a partir da decisão sobre os cachorros, segundo Gondim, é a discussão sobre a possibilidade de animais não-humanos serem ou não sujeitos de direito, ou seja, terem direitos e deveres.
“Será que os animais podem ser sujeitos? Eles realmente têm esse sentimento? Quais animais podem ter?”, questiona. “Se eles podem ser autores, será que eles podem ser réus? Se algo acontecer, por exemplo, eu estou andando no parque e um animal sem focinheira me morder, eu posso processar o animal? Como ele vai fazer se ele não tem patrimônio para pagar uma indenização?”, questiona, ainda, a advogada.
A advogada ressalta que o Brasil não avançou na legislação referente ao direito de todos os animais e, por isso, é necessário pensar em quais direitos devem ser regulamentados, como e para quais espécies. Além disso, para a advogada, é preciso definir se os animais serão tratados como sujeitos de direito – tendo direitos e deveres e podendo, assim, ser réus em ações judiciais – ou se deverá ser criada outra categoria para atender a essa demanda.