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CONTRATO E SUA CONSERVAÇÃO: LESÃO E CLÁUSULA DE HARDSHIP

Por Frederico E. Z. Glitz

Publicado em 01/01/2008

RESUMO. A contemporaneidade contratual é marcada pela tensão existente entre os princípios contratuais da pacta sunt servanda e da rebus sic stantibus. Essa tensão pode se revelar na necessidade de preservação do equilíbrio contratual, por meio da adaptação do contrato. Esse cenário revelou-se, de forma especialmente intensa, em caso paradigmático que envolveu o Judiciário brasileiro a partir de Janeiro de 1999. Tratava-se da onerosidade gerada pela crise cambial, especialmente sentida nos contratos de leasing vinculados ao dólar norte-americano. A solução apontada para essa situação acabou demonstrando a preocupação do Direito nacional com o princípio da conservação do contrato. Constatado esse tratamento, buscou-se a compreensão de outras formas de preservação do contrato por meio de sua adaptação, tais como a lesão e a cláusula de hardship. Esta, típica cláusula contratual internacional por meio da qual se estabelece obrigação de renegociação quando o contrato se tornar excessivamente oneroso; aquela, instrumento interno de readequação contratual quando o contrato é, em sua gênese, desequilibrado. Ambos os instrumentos demonstram-se aptos a garantir o equilíbrio contratual, preservando sua função econômica.

PREFÁCIO DO MIN. LUIZ EDSON FACHIN

A permanente construção teórica e prática do contrato – Por Luiz Edson Fachin, Professor Titular de Direito Civil da UFPR.

Vem de oferecer à comunidade jurídica uma relevante contribuição Frederico Eduardo Zenedin Glitz ao dispor ao público interessado o conteúdo de suas reflexões sobre a conservação do contrato.   Motivado pelos papéis cometidos no cenário contratual contemporâneo à lesão e à cláusula hardship, o texto resulta de notável imbricação entre teoria e práxis, sustentando, no entremeio dos paradoxos atuais, o equilíbrio de vontades e de declarações que pode conservar o contrato funcionalizado.

Eis aí autor e obra que têm em comum a seriedade da pesquisa acadêmica e partem de premissas que não estão na ordem do dado, e trata, por isso mesmo, de uma proposição continuamente (re)construída. Bem elegeu o espaço de suas inquietações num dos pilares do Direito Privado, ali sedimentando o território das relações sociais em crise e do poder da vontade dos contratantes, migrando para o exame problematizante de aspectos do Direito Público e do Direito Privado, sem cair nas redes do fetichismo conceitual anódino e nem das dicotomias inodoras.

Temos em mãos um estudo vincado pela principiologia axiológica de índole constitucional, e caracterizado, no caso, pela conservação contratual mediante readequações justas e eqüidosas à luz de hipóteses que se densificam concretamente.

Para alcançar, na crítica da contemporaneidade, o estatuto jurídico da conservação do contrato, toma dois instrumentos a fim de alavancar sua análise, explicitando, de um lado, características, modos e formas de configuração da cláusula hardship, e de outra parte, singrando as águas turbulentas do instituto da lesão, passando do novo Código Civil de 2002 aos sistemas de direito estrangeiro.

O trabalho não descura dos grandes debates sobre a função social e econômica dos contratos, nem deixa de percorrer o importante caminho da formação jurisprudencial. Atento aos sons presentes que embalam a autonomia da vontade, as obrigações e a própria estrutura social, trata da dinâmica e da estática jurídica, dos sujeitos e do objeto, seus limites e sua funcionalização.

De leitura agradável e redação escorreita são feitas as linhas que bem dizem o que se propõe nos diversos capítulos que compôs Frederico Eduardo Zenedin Glitz, ciente de que é curial problematizar dialeticamente os paradoxos contratuais, bem assim as codificações e a superação dos sistemas clássicos. Por isso mesmo, em seu exame das causas e das razões da conservação do contrato, como se passou no que analisa referentemente à maxidesvalorização do dólar norte-americano e suas conseqüências nos pactos de leasing, apreende novas realidades jurisprudenciais e legislativas, bem assim as funções do contrato no Estado liberal e no Estado social.

Por aí bem se vê que é preciso ir além da aparência, migrar para além da falácia discursiva que pode encobrir a realidade, nos pactos e na adesão, especialmente no liame entre o consumo e o direito e seus mecanismos de tráfego jurídico.

Soube compreender as vicissitudes desse presente contraditório e encontrar, coerentemente, caminhos na denominada “crise” do contrato, passando da mera discussão das concepções objetiva e subjetiva, ou classicamente, como se fazia com os canonistas, os filósofos do direito natural e a escolástica tardia.

Confirma-se nesta obra o bom proveito de uma leitura que constrói sendas e indica possibilidades, até porque, consoante a significativa afirmação de Paulo FREIRE: “Ler não é só caminhar sobre as palavras, e também não é voar sobre as palavras. Ler é reescrever o que estamos lendo” (FREIRE, Paulo;SHOR, Ira. Medo e Ousadia. 4. ed. São Paulo, Paz e Terra, 1986, p. 22).

O conjunto de idéias expostas por Frederico Eduardo Zenedin Glitz nos faz refletir e reconstruir paradigmas que podem, no porvir, edificar pontes entre o direito e o justo, e entre a justiça sócio-contratual e a dignidade da pessoa humana. Dos riscos podem emergir, sem dúvida, novas possibilidades.

PREFÁCIO DO PROF. WELBER BARRAL

PREFÁCIO – Por Prof. Dr. Welber Barral

Para o signatário deste prefácio, foi uma grata surpresa quando o professor Frederico Glitz o convidou para escrever um breve comentário à obra. E isto porque a tarefa do prefaciador somente se torna penosa quando não há muito que se dizer do texto, o que não é absolutamente o caso aqui.

Afinal, a presente obra trata de questões interessantes e complexas vinculadas do conceito contemporâneo de contrato. Este é um tema importante e particularmente difícil num momento histórico em que o direito dos contratos passa por uma redefinição que transcende tanto os enunciados liberais do início do século XX, quanto o intervencionismo simplista que caracterizou a matéria final do século pretérito.

O que leitor encontrará em capítulo adiante a exposição desta evolução histórica relativa à própria compreensão do contrato nas relações sociais. Num primeiro momento histórico, posterior às revoluções liberais burguesas, o conceito de contrato era adotado em seu sentido individualista e egoísta, como norma sacralizada e ilimitada pela autonomia das partes.

As transformações sociais do século XX mostraram as limitações deste conceito numa sociedade massificada e urbana, ao mesmo tempo em que a preocupação com a justiça na contratual passou a se refletir das normas nacionais e na prática jurisprudencial.

A necessidade de reconhecer a relevância social dos contratos, por outro lado, levou à interpretação exagerada quanto à prevalência do interesse coletivo sobre a liberdade das partes. Se há uma função social do contrato, como inclusive estipula a Constituição brasileira, isto não legitima o intervencionismo desregrado, e há que se criticar alguns julgadores que parecem ignorar que os contratos também têm uma relevância econômica inarredável. Eliminar a segurança contratual é elevar os custos de transação e diminuir a efetividade dos contratos na criação de riqueza. O equilíbrio ideológico, neste início de século, exige consequentemente uma compreensão do contrato que seja socialmente justo e economicamente eficiente.

Daí a necessidade de criticar as interpretações demagógicas que, sob o manto da justiça social, pretendem aplicar visões subjetivas a relações contratuais concretas. Uma má decisão em matéria de contratos gera custos para o resto da sociedade, seja aumento da incerteza, seja na elevação dos custos de transação, seja pela incorporação do risco majorado à taxa de juros. A função social do contrato, contudo, tem abrangência muito maior. Como bem observa Frederico Glitz, a função social do contrato está ligada à noção de interesse coletivo e, embora ligada à noção de equilíbrio das prestações, não se limita a este equilíbrio.

O texto que o leitor encontrará nas páginas seguintes consegue fugir dessas duas polaridades, a do liberalismo desbragado e do intervencionismo demagógico. Neste sentido, a contribuição fundamental do trabalho está na ênfase da conservação do contrato com uma exigência fundamental das relações jurídicas contemporâneas.

Afinal de contas, todo contrato acaba por encontrar situações imprevistas e adaptações necessárias. Não chegando às partes um acordo, quanto aos termos desta renegociação, a decorrência lógica será sua solução por litígio judicial ou arbitral. Em ambos os casos, o maior risco é que julgador se renda à solução mais fácil, que é a decretação do óbito da relação contratual, resolvida usualmente com a extinção da responsabilidade de uma das partes.

Esta solução usual, que pode parecer a mais justa à primeira vista, tem como conseqüência o descrédito do regime contratual, com elevação do risco naquela atividade econômica específica. Solução mais próxima ao interesse coletivo é a conservação do contrato, forçando-se sua a adaptação em consonância com o fato novo. Evidentemente, isto exige do julgador uma sofisticação intelectual e um conhecimento sobre as feições contemporâneas do contrato.

Estas últimas características são magistralmente trazidas pela presente obra. Não apenas o texto a seguir faz uma extensa revisão da literatura contemporânea sobre contratos, como a observa com olhos críticos, apontando as fragilidades de argumentos popularizados no meio jurídico, mas que não atendem a estas preocupações sociais e econômicas que decorrem da intervenção nos contratos.

Outro mérito de trabalho é seu caráter propositivo, ao ensinar como os institutos da lesão e do hardship podem contribuir para a adaptação dos contratos, quando necessária. Como demonstra o livro, estes são, também por sua vez, conceitos complexos e não completamente uniformizados direito comparado. Sua utilidade é inegável,  mas – deve-se ressaltar – esta utilização deve ser homeopática e mensurada a cada caso; uma overdose levará ao óbito do paciente-contrato.

As características da obra, ressaltadas aqui, provam sua definitiva contribuição para a compreensão contemporânea dos contratos. A precisão do texto de Glitz se coaduna com a pertinência de estudar o problema num momento crucial para a prática brasileira, em que a redefinição das relações privadas não pode retroceder ao liberalismo tosco nem ao intervencionismo demagógico.

Florianópolis, novembro de 2006.

 

REFERÊNCIA: GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin . Contrato e sua conservação: lesão e cláusula de hardship. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008.

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