Há alguns anos, a convite da profa. Fernanda Schaefer, ilustre editora desta Coluna, assumi o desafio de escrever capítulo de livro sobre os aspectos internacionais relacionados à telemedicina. Esta convocação, com feições de convite, se dava no contexto da intensificação da regulamentação daquela atividade e na elaboração dos primeiros comentários sobre o tema publicados no Brasil (pela Editora Foco, 1ª edição em 2022 e a 2ª edição, revista e ampliada, em 2024).
De forma nada velada, ela me instigava a unir dois temas que vinham sendo objeto de minhas pesquisas há muitos anos: as contratações internacionais e a ampliação de sua realidade prática. Confesso que talvez esta tenha sido uma espécie de gota d’água, verdadeira provocação para “sair à rua como quem foge de casa” e escrever “como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo”, como filosofaria Quintana.
Propus-me, então, a identificar o tratamento dispensado pelo Direito brasileiro ao tema dos contratos internacionais, sua conceituação, seu tratamento jurídico, a identificação do Direito que lhe é aplicável e, por fim, a percepção que atualmente fazemos dele. Minha premissa era de que, ao contrário dos anos 1990, quando o Brasil reabria sua economia, hoje não poderíamos mais concebê-los como restritos a players profissionais acostumados com a dinâmica do comércio internacional. Isto é, hoje, cada um de nós está potencialmente submetido a regimes contratuais que podem não ser regidos pelo Direito brasileiro.
Para identificar os esboços do Direito contratual internacional visto pelo prisma brasileiro tratei de me apropriar de metodologia e linguagem não usuais. Algo que pudesse suavizar o tratamento de matéria que muitas vezes é vista, injustamente, como desinteressante e excessivamente complexa. A linguagem coloquial, exposição explicativa e viés provocativo foram, então, incorporados à redação, não sem deixar exposta um pouco da personalidade daquele que redigiu. Também me apropriei de personagens, alegorias e figuras de linguagem que pudessem contribuir para a fluidez do texto e para acrescentar elementos que pudessem tornar a leitura um pouco mais instigante. É por isso que, no curso da leitura, você é apresentado a uma das mais famosas obras de Albrecht Dürer, ilustrador alemão, e à personagem que o inspirou.
O formato proposto serviria, assim, para uma escrita mais livre e acesso a recursos não disponíveis/recomendados aos manuais. Voltando-se, ainda, a um público, potencialmente, muito mais amplo e à valorização e construção do debate. Foi com estas ideias em mente que tentei adaptar a inspiração metodológica aos meus próprios propósitos.
Como resultado, gostaria de lhes apresentar o “Guia para o Direito Contratual internacional brasileiro”, recém-lançado pela Editora Foco, cujo propósito central é o de apresentação de um recorte atual da discussão sobre a internacionalidade do contrato sob a perspectiva do Direito contratual brasileiro, promovendo, no que fosse possível, debate sobre o tema, fomentar conexões e apontar pontos de destaque que pudessem a receber a atenção do debate legislativo e jurisprudencial ou o interesse profissional e acadêmico do leitor. Minha certeza ao escrever foi a de que este Guia se projetaria à desatualização.
Em termos de redação, o Guia foi redigido a partir de algumas perguntas que serviram de balizas e que foram apresentadas no primeiro capítulo. No segundo capítulo, o objetivo foi destacar como – historicamente – é construída a noção de ‘contrato’ e como ela deve ser – hoje – desconstruída. Na sequência foi apresentado aquilo que torna internacional um contrato e, no quarto capítulo, o objetivo foi entender como se faz a identificação do Direito material aplicável a cada negócio. Como conclusão, em capítulo exploratório, busquei retomar alguns dos questionamentos do primeiro e segundo capítulos, para abordar uma das realidades da contratação internacional pelo viés brasileiro: os contratos com vulneráveis.
Gostaria de destacar três pontos deste trabalho. Em primeiro lugar a absoluta preocupação com a atualização da abordagem. Neste sentido, posso mencionar não apenas a menção aos projetos de lei existentes sobre a matéria do Direito aplicável e aos tratados ratificados pelo Brasil em matéria contratual mas, também, a incorporação ao texto das mais recentes alterações legislativas na área (como por exemplo a polêmica regra do art. 63, §1° do CPC).
Em segundo lugar, busquei enriquecer a análise, sempre que julguei apropriado, a partir de casos concretos. Daí porque, sejam eles precedentes judiciais ou cláusulas concretas, julgo que o leitor poderá contextualizar a análise de forma mais completa.
E, por fim, no capítulo final, procurei sintetizar as preocupações do Guia utilizando-me, livremente, de um caso concreto. A partir do estudo de um importante precedente do STJ tentei delinear os espaços de abordagem que podem merecer atenção do leitor, do legislador e da jurisprudência de modo a preparar melhor o Direito contratual brasileiro para os desafios internacionalizantes do século XXI.
Dito isso, espero, então, ter-lhe convencido de que este Guia propõe algo distinto do que já lhe foi apresentado antes e, ao final de sua leitura, gostaria de lhe ter retribuído a confiança de que a leitura deste livro permitirá a “estar só e ao mesmo tempo acompanhado”, como diria Quintana.