SUA VIDA ESTÁ SE TORNANDO INTERNACIONAL: VOCÊ ESTÁ PREPARADO?
Frederico E. Z. Glitz[1]
Os graduandos em Direito são submetidos, normalmente no final do curso, a duas matérias que visam prepará-los para as consequências internacionais gerais de atos jurídicos públicos e privados. No passado, inclusive, já se defendeu a ampliação de seu escopo (para abranger aspectos também especializados – Direito processual, empresarial e tributário, por exemplo), mas, nos últimos anos, prevaleceu – nas diferentes grades curriculares – certa economia, supostamente baseada na atual redação Resolução do Conselho Nacional de Educação (dada em 2021) que menciona, apenas a necessidade de que os cursos ofereçam a disciplina de “Direito internacional”.
Com isso, ao invés de aprofundarmos a compreensão do fenômeno jurídico transnacional, como vinha acontecendo nos últimos anos (com a criação e manutenção de pesquisas e equipes de competição em simulações internacionais – de Direitos humanos, Direito Penal, Contratual, etc.) acabamos, aparentemente, nos contentando em sujeitar o aluno a generalidades. A lógica de mercado exige, afinal de contas, a redução dos custos (ainda que com questionáveis efeitos). Por outro lado, existem, é claro, honrosas exceções, mas, infelizmente, são muito poucas para fazerem a diferença.
E por que isto pode vir a interessar ao leitor? Simplesmente porque estamos vivendo – desde já – as consequências da ampliação do uso da tecnologia e, com ela, a internacionalização de muitas relações sociais relevantes e cotidianas. O Direito internacional deixou de ser ‘filigrana jurídica’, como certa vez ouvi, para ocupar espaço cada vez mais frequente no dia a dia do brasileiro. Basta pensarmos nos efeitos que a guerra na Ucrânia pode trazer para os contratos do agronegócio brasileiro (ainda hoje força motriz da economia nacional).
Pouco provável? Coisa de ficção científica? Felizmente não. O leitor, com quase absoluta certeza, já fez o download de um popular aplicativo de mensagens ou, ainda, faz uso frequente das redes sociais. Normalmente, contudo, deixamos de ler as condições gerais deste tipo de contratação. Estas, por outro lado, invariavelmente, consagram a adoção de um foro exclusivo estrangeiro para decidir sobre eventuais conflitos envolvendo a execução e interpretação daquele contrato. Este tipo de dispositivo contratual não só é permitido pela legislação brasileira; como lhe seria – em tese – assegurada a eficácia. Se você ficou em dúvida, não deixe de conferir seu aplicativo…
Não são apenas estas as relações que estão sendo influenciadas por este tipo de ‘viabilidade tecnológica’. A compra e venda de imóveis localizados no Brasil ocorre, principalmente, por meio de escritura pública. Até pouco tempo atrás, isto envolvia deslocamento dos contratantes até um cartório (ou a utilização de procurações). Neste sentido, haveria uma impossibilidade de a transação definitiva ocorrer em âmbito internacional. A partir de 2020, o CNJ previu a possibilidade de a prática de atos notariais se dar por meio da internet (entre eles a assinatura eletrônica notarizada e a videoconferência notarial). Atos estes que passaram a poder ser realizados independentemente do país em que compradores e testadores estivessem localizados. Inclua-se, ainda, neste pacote desde os testamentos, testamento vitais, declarações de união estável, até as autorizações de viagem para menores.
A prestação de serviços é outra fonte de exemplos: dos professores ‘nativos’ que oferecem cursos de línguas, a brasileiros, a partir de seus próprios países até os profissionais que migraram, mas que continuam a prestar seus serviços ‘no’ Brasil e os profissionais brasileiros que nunca deixaram nosso país, mas que são contratados por empresas estrangeiras para ‘lá’ executarem os trabalhos.
Até mesmo a telemedicina também, hoje, oferece a possibilidade de atendimento clínico (e até cirúrgico) a partir de bases estrangeiras. Além disso, em várias ocasiões, o brasileiro pode realizar a ‘importação direta’ por meio de marketplaces, lojas digitais ou plataformas de licenciamento e streaming. Assim, se estudar e trabalhar passaram a ser possíveis à distância, o mesmo ocorre com exercícios sociais e societários, em que deliberações sociais são realizadas por meio do uso da tecnologia (em sociedades empresariais, associações e até condomínios).
Os desafios vão além do eventual Direito aplicável àquele contrato (e com ele a interpretação destes negócios e das eventuais consequências da contratação), passam também pelas complexidades processuais, formais e tributárias e, claro, pela responsabilização em caso de eventuais ilícitos cometidos que, infelizmente, a ignorância não absolve (vide os infelizes exemplos de brasileiros acusados de tráfico internacional de drogas).
A internacionalização da vida não corre, apenas, quando migramos ou cruzamos – fisicamente – fronteiras. Esta era a realidade das décadas passadas. Importações e exportações não são mais realizadas, apenas, por profissionais. O admirável mundo novo sem fronteiras é, mais inclusivo e oferece mais complexidades: o uso da blockchain para criação de contratos autoexecutáveis (smart contracts); o investimento em criptomoedas; o desenvolvimento do e-commerce, a proteção tratamento de dados pessoais acional exigirão que estejamos mais atentos para esta nova característica frequente da vida e que os futuros profissionais vão além de percebê-las, mas que possam enfrentá-las.