Cientes da dificuldade de antever o futuro, as Pitonisas gregas entregavam fórmulas propositalmente vagas e dúbias, que acabavam funcionando para qualquer intérprete. Este luxo não é dado àqueles que trabalham com o Direito contratual que, por excelência, se ocupa da ingrata tarefa de, expressando razões econômicas e culturais específicas, consolidar um futuro provável. Quem contrata quer, em algum sentido, prever o futuro. Esta audácia também exige que nos ocupemos, além das probabilidades e riscos calculados, da própria equação que utilizamos. Assim, ao pensarmos no futuro previsto no contrato, também devemos imaginar o futuro do contrato.
Em curto resumo, acredito que para imaginarmos este futuro tenhamos que enfrentar, dentre outros, dois grandes desafios: (i) como sair de uma lógica pensada em termos analógicos para outra baseada em termos digitais e centrada em dados; e (ii) como transformar a linguagem e educação atualmente associadas ao Direito contratual.
E por que estes são desafios? Bem, atualmente não se admite que “coisas” possam contratar, mas no futuro especula-se que a inteligência artificial possa vir a substituir os contratantes. Hoje, por exemplo, já existem softwares que avançam em vários pontos da negociação (reduzindo o custo em departamentos de compras de grandes empresas). Já se tem notícia, até mesmo, do reconhecimento de algum nível de personalidade a robôs (Sophia, na Arábia Saudita). Esta mudança de postura exigirá, por exemplo, que o Direito reavalie as explicações sobre quem tem capacidade jurídica de contratar.
Outro exemplo é como os próprios contratos podem, em breve, vir a ser celebrados. Hoje, muitos de nós já aderiram a termos pré-configurados, que ainda são apresentados em termos reconhecíveis como contratos. A mudança da própria linguagem pode alterar isso: contratos autoexecutáveis convertidos em linguagem computacional, verdadeiros programas que serão executados independentemente da necessidade de anuência específica (smart contracts). Isto hoje já é verdade para alguns negócios internacionais envolvendo a compra e venda de commodities, mas também o será para as geladeiras inteligentes que se auto abastecerão. Os futuros contratualistas precisarão, então, lidar com instrumentos contratuais bastante distintos, em linguagem e design, daqueles com os quais estamos acostumados.
Alguns indícios atuais, impostos ou acelerados pela emergência sanitária que o mundo vive, já nos indicam este caminho. Em pouco tempo, todos precisaremos alterar não só a forma como nossas interações acontecem, mas como as perceberemos juridicamente. Não devemos, contudo, confundir o futuro com a tecnologia. Tecnologias e métodos são também objetos de inovação. E o que hoje é inovador, amanhã é comum e depois de amanhã é obsoleto (que o diga o fax). Qual será, então, o futuro do futuro? Fica a provocação.